Hoje, 14 de Julho, é o Dia Mundial da Liberdade de Pensamento.
A liberdade de pensamento e a liberdade de expressão encontram-se consagradas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, nomeadamente nos artigos 18º e 19º.
Artigo 18º:
Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.
Artigo 19º:
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e idéias por qualquer meio de expressão.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (e, por consequência, os valores da liberdade de pensamento e da liberdade de expressão) foram adotados pela ONU em 1948 como o standard a seguir pelos países democratas e como um modelo a aspirar pelas populações de regimes ditatoriais.
Estes dois direitos andam mão a mão um com o outro e, na minha opinião, são os dois direitos mais importantes do ser humano, logo a seguir ao direito à vida. Porquê?
Porque os restantes direitos são de interpretação relativamente subjetiva e, como tal, necessitam de ser discutidos e ajustados ao seu tempo e ao seu contexto, o que só é possível se se puder pensar e falar livremente.
Os seres humanos têm direito a não ser torturados, a não ser discriminados, a receber justiça, etc. Contudo, estes são conceitos subjetivos. O que constitui tortura? Como definir se uma pessoa está a ser discriminada? O que é a justiça? Para que estes direitos possam ser operacionalizados e defendidos é preciso, em primeiro lugar, podermos pensar sobre eles, falar sobre eles, discutir diferentes opiniões. Mas nada disso será possível se não tivermos liberdade de pensamento nem liberdade de expressão. É por isso que eu dou tanta importância a estes dois direitos, porque sem eles não temos os outros.
Principalmente desde 1948, que estes direitos têm estado na base dos movimentos de direitos civis por todo o Mundo, foram indispensáveis para a emancipação dos países colonizados e permitiram a aquisição de direitos por parte de minorias até então oprimidas. No fundo, têm sido os alicerces na construção de um Mundo melhor e mais igualitário.
Mas é com preocupação que vejo o que está a acontecer nos últimos anos nos países ocidentais “desenvolvidos”. A liberdade de pensamento e de expressão estão a dar lugar a uma cultura de censura, à chamada cultura de “cancelamento” público de pessoas que pensem e/ou se expressem de uma forma que “ofenda” outras pessoas. Ou seja, o direito a não ser ofendido está a sobrepor-se aos direitos de pensamento e de expressão.
Começa a ser cada vez mais frequente a prática de censura de livros e de filmes e de conferências e de comediantes pela razão de não gostarmos do que lá é dito. Começa a ser a norma defender que há certas ideias que não podem ser expressas, ou que há certas pessoas que não podem ter o direito a falar. Começa a ser aceitável reescrever a História para que os jovens não se ofendam com o passado. Começa a ser defendido que os governos policiem os pensamentos e as palavras dos cidadãos.
E não, não estou a falar do que se passa nas ditaduras. Estou a falar do que está a acontecer nas democracias ocidentais, onde Portugal se inclui.
E, na minha opinião, o que torna esta situação mais preocupante, é que quem vejo mais ativo nesta censura e lógica de “cancelamento” das opiniões divergentes são precisamente as minorias e os grupos com menos poder na sociedade. Os mesmos que durante séculos lutaram para ter o direito de dizerem o que desejassem, para ter o direito de pensar como quisessem e para ter o direito de serem o que fossem.
Então, mas qual é o especial problema de serem estes grupos a defender a censura e a limitação de direitos de pensamento e de expressão?
Se conseguirem que esta lógica se generalize, vai tornar-se a norma a censura, vai tornar-se natural mandar calar os outros e castigá-los pelo que pensam e pelo que dizem. Ora, se a sociedade começar a censurar de forma generalizada, quem pensam que serão os primeiros a sofrer com essas limitações de direitos? A maioria que detém o poder, ou as minorias mais frágeis?
É que quando se defende a limitação de direitos, isso é para tudo e todos. Não podemos dizer que só vamos limitar certas palavras, ou certas ideias, ou certas pessoas, ou certos grupos. Não podemos ter a ingenuidade de achar que vamos “limpar” a sociedade apenas das “más” ideias. Quem é que define o que são “más” ideias? Quem é que define o que pode ou não ser dito? Se houver um braço de ferro entre a maioria e as minorias, quem acham que irá ganhar?
As sociedades mudam de forma natural. Mudam com o tempo, mudam com a educação, mudam com a visibilidade dos problemas a resolver, mudam com a discussão de soluções. Não mudam por mandarmos calar os outros. Não mudam por fingirmos que quem discorda de nós não existe. É do confronto de ideias que se entende o outro e é numa conversa aberta que temos a oportunidade de expormos os outros aos nossos valores e de os tentarmos “converter”, a forma mais sólida e duradoura de provocar mudanças sociais e culturais.
O tempo da inquisição foi uma época negra à qual não queremos nunca voltar. As práticas de censura são típicas de regimes autoritários em que não queremos viver. Não podemos, em nome do politicamente correto, ou do direito a não ser ofendido, destruir os mais básicos direitos da civilização moderna.
É que, uma vez perdidas a liberdade de pensamento e a liberdade de expressão, iremos cair de novo na Idade das Trevas.